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O Planeta dos Humanos
O Planeta dos Humanos

                                                        Gorete Amorim

Na praça, bem à frente ao Palácio do Governo, foi concebido um menino.
Não acredito em destino, mas aquele estava quase traçado:
Nascer numa das calçadas da cidade
Sem berço e enxoval de bebê
Mais sedento do cheiro da cola do que do leite materno
Condenado a morar na rua
E a sobreviver à poluição, à chuva, ao frio, ao calor, à sujeira, ao descaso, à indiferença, à falta de amor.
Condenado a cheirar cola e mendigar nos sinais de trânsito no planeta dos humanos.

Como se chama?
Foi batizado João, Maria ou Sebastião?
Não se sabe, embora estejamos assistindo todos os dias
Cenas rotineiras, repetitivas,
Onde o mais recém chegado ao planeta dos humanos
Passa de mão em mão, é disputado em cada sinal vermelho
_ UMA MOEDA PARA COMPRAR O LEITE DO MENINO, DEUS LHE DÁ EM DOBRO!
Exclama o “humano” que segura desajeitadamente,
O João, a Maria ou o Sebastião
Quando carregado e apresentado de carro em carro
Parece mais fantoche do que criança.
O sinal abriu, em alguns minutos começa tudo de novo.

E assim vai sendo educado a ser humano.
Com pouco brilho no olhar, ainda sorri para quem está do outro lado do vidro.
E retorna a cada sinal verde para o aconchego dos braços da mãe,
Que lhe oferece o peito talvez por puro instinto.
Há pouco indício de leite.
Mãe e filho se alimentam de cola e dormem
Até que alguém lhe puxe pelo braço mais uma vez
Arranque dos braços da mãe e repita o que poderia ser mantra, se não fosse perverso:
- UMA MOEDA PARA COMPRAR O LEITE DO MENINO, DEUS LHE DÁ EM DOBRO!
Entre o leite e a cola o menino dorme
Melhor do que assistir o gesto de indiferença dos (des)humanos que passam.
O menino cresce e aprende a pedir moedas
Na ponta dos pés alcança a janela dos carros que continuam de janelas fechadas.
De um lado o menino que cresce e do outro o “humano” indiferente.
O menino alcança o pára-brisa do carro
Uma garrafa com água e um pequeno rodo, são seus instrumentos de trabalho, aprendeu a mendigar, a viver na rua, a cheirar cola, a procriar.
Nasce uma nova criança e o ciclo recomeça no planeta dos humanos.



Gorete Amorim
Enviado por Gorete Amorim em 03/11/2007
Alterado em 02/09/2010


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